Decepções.
Ricardo Gondim.
Eu sou decepcionado. Lamento desapontar os que esperavam um otimismo menos cinzento. Mas, cedo me decepcionei com minha terra, meu padre e meus pastores. Adulto, as decepções vieram em cascata e fui acabrunhando, entristecendo, murchando. Hoje não me iludo com a natureza humana. Para mim, qualquer um pode trair, abandonar, rir pelas costas, assassinar.
Recentemente conversei com uma amiga que me confidenciou sua exaustão. Disse-me que sua pequena empresa se tornara um festival de egos inflados. Depois de inúmeros menosprezos e ingratidões, não agüentava mais: “Estou exausta. Tenho vontade de vender o negócio, largar o que já foi a razão da minha vida e sumir”. Tentei ajudá-la, mas, vi-me sem muita autoridade; disse que nos últimos tempos eu me tornara um especialista em decepções.
Todo decepcionado foi assassinado. Acertaram uma bala no coração de seus ideais; sem o sangue da persistência, só vai adiante por inércia. Amordaçado pelo dever, o decepcionado se vê tangido pelas horas e vive encalacrado pela lógica do “espetáculo que não pode parar”. É um anjo sem asas, caneta sem tinta e de ponta estragada. Sem seiva, joga em estádios vazios e abandona as avenidas para viajar por becos escuros.
Todo decepcionado curou-se de miopia porque só os que amam são doentes dos olhos. Quem ama consegue enxergar o que não existe, acredita em fantasias, ilude-se. Quando o cristalino dos decepcionados é restaurado, eles passam a ver vaidades, detectam sordidez e invejas. As sombras se tornam maiores do que a luz e as maldades, próprias dos humanos, que antes eram despercebidas, ficam nítidas. Os desalentados têm olhos de águia e sempre carregam lupas no bolso.
Todo decepcionado jogou fora seus ideais. A resolução para lutar, que vinha da antiga turbina dos ideais, parou. Jogaram areia no dínamo das suas iniciativas e sem girar, a energia se apagou. O decepcionado não passa de um palito de fósforo retorcido. Ele acorda e só espera obrigação, dever. O trabalho se torna um fardo, as horas, um arrastar monótono e a vida, um castigo. O desgostoso vive exausto.
Todo decepcionado caminha claudicante. Suas escolhas não revelam qualquer determinação; ele hesita a todo instante. O desolado esconde a resignação com rabugice. Devido a sua incerteza, fica irascível; indeciso, reage com estupidez. O decepcionado é mais severo que um senhor de escravos; é impaciente como um delegado prestes a se aposentar.
Obviamente só Deus pode curar os decepcionados. Entretanto, atrevo-me a sugerir algumas recomendações para quem quer sair dessa masmorra - desde a conversa com minha amiga, pensei muito no assunto.
Não pôr todos os ovos numa mesma cesta é um bom conselho para os cabisbaixos. Indico que não fixem os olhos nas artimanhas dos espertos, não se impressionem com os gestos adultos, mas inspirem a simplicidade das crianças, voltem a ouvir a sinfonia dos pássaros, percebam os diferentes tons de verde das matas, assistam a mais pôr-do-sol, molhem os pés em riacho que desce da montanha.
Poesia é excelente remédio para desapontamento. Um poema pulsa no ritmo do universo e contém o segredo da terapia divina. Se matemática é linguagem cósmica, música e poesia são idiomas do Divino. Melodia ressuscita a alma machucada, poesia pinça feridas do espírito para estancar a hemorragia da vida. Ouvir ou recitar um soneto é bálsamo inigualável. Depois de ler um poema, qualquer desiludido se transforma em floricultor.
Acolher os necessitados, os esquecidos, os indignos, cura qualquer decepção. O clamor do pobre é o clamor de Deus. Nada mais satisfatório para o abatido do que cuidar de um prostrado. Jesus acertou quando falou que todos os que desprezam os primeiros lugares, acham a vida; só o samaritano, que se ajoelhou diante de um moribundo, foi salvo.
Jesus se decepcionou com o povo que só queria pão, com Jerusalém que desprezou o dia da sua visitação e com os sacerdotes que conspiraram a sua morte. Porém, ele não morreu digno de pena porque ouviu o clamor de um ladrão, cuidou de sua mãe e entregou o espírito a Deus.
Portanto, bem-aventurados os decepcionados, pois neles mora a possibilidade da vida se refazer sem o brilho mentiroso dos holofotes, sem os aplausos falsos da lisonja, sem o fascínio irreal das onipotências e sem o embotamento do narcisismo.
Soli Deo Gloria.