Numa manhã de segunda-feira, no interior de São Paulo, um jovem funcionário de uma fábrica acaba de receber a notícia de que ele e todos os seus colegas perderão o emprego. A unidade de produção será transferida para outra cidade. Ele se aproxima do consultor encarregado de atender os demitidos, mas são muitos querendo falar e desiste. Chega o horário do almoço. O rapaz vai para casa, faz a refeição com a mulher e os filhos, sem comentar nada, e volta para a empresa. Consegue, finalmente, perguntar o que queria ao consultor: "Você me ajuda a pensar no que eu vou falar em casa?".
Na mesma semana, na capital, um executivo de uma multinacional é comunicado de seu desligamento. Ele tenta negociar uma transferência de área. Sem sucesso. Vai para casa à noite e não conversa com a família. Na manhã seguinte, cumpre a rotina de vestir o seu terno e sair para o trabalho. Desvia o carro no caminho e passa o dia em um shopping center, caminhando sem rumo, olhando o vazio. Ele também não sabe o que fazer. E não tem a quem pedir ajuda.
O que une dois personagens tão distintos e distantes é uma realidade que pode ser mais freqüente e até mais esperada atualmente, mas que ainda não deixou de ser vista como um drama: lidar com a demissão. O que os diferencia, porém, é o suporte que receberam de suas empresas para atravessar esse momento e construir um novo horizonte profissional.
Mas, afinal, as organizações precisam mesmo assumir mais essa tarefa e amparar as pessoas que já não lhes servem? No Brasil, não há nada que as obrigue. Já em países como a França, os programas de outplacement são exigências legais para dispensas coletivas (veja mais em Saída à francesa). No entanto, em qualquer lugar do mundo, as empresas encontram boas razões para oferecer, voluntariamente, orientações e suporte aos funcionários dispensados.
Gilberto Guimarães, diretor da BPI Brasil, lembra que os programas de outplacement surgiram na Europa para coibir demissões imotivadas. "Era uma maneira de permitir que as empresas demitissem quando necessário, mas com um plano social", relata.
Ele salienta que, antes de definir o processo de desligamento, a organização deve analisar todas as possíveis soluções alternativas - e, nesse momento, pode contar com a ajuda de uma consultoria especializada. "Quando uma companhia toma a decisão de reduzir quadros é porque está passando por uma crise. Por isso, devemos estudar se é possível resolver o problema do momento com reduções de jornadas, antecipação de aposentadorias ou outras medidas", aponta.
Marcelo Cardoso, que concedeu esta entrevista na sua última semana como presidente da DBM (ele foi contratado pela Natura como vice-presidente de desenvolvimento organizacional), relata a importância de sentir a temperatura da situação. "Em um caso individual, precisamos saber se a empresa tem um motivo claro para demitir, se a pessoa afetada já tem essa possibilidade captada no seu radar ou se será algo novo para ela. Quando se trata de um corte coletivo, o tratamento é mais complexo", avalia.
Caso a saída seja mesmo demitir, os programas de apoio minimizam o impacto negativo junto aos diversos públicos atingidos direta ou indiretamente. "Além do funcionário demitido, há as pessoas que não terão sua atividade alterada. Estas só precisam ser informadas. Outras vão mudar de papel e necessitam ser preparadas para a nova função. Tão importante quanto o cuidado com quem sai é o cuidado com quem fica", afirma Cardoso.
E se fosse com você?
Guimarães concorda com essa preocupação com quem não é demitido. "É importante manter o efetivo com paz de
"Metade do sucesso de um processo de restauração depende da qualidade da comunicaçao
espírito para trabalhar. A implantação de um programa de outplacement dá a sinalização de que, se forem atingidos também, esses colaboradores terão mais chances de ser recolocados", diz o diretor da BPI. E o tratamento adequado aos demissionários também evita maior desgaste junto a clientes e fornecedores.
E no pacote desse tratamento há um aspecto fundamental, de acordo com Cardoso: o plano de desligamento deve ser amparado por um consistente processo de comunicação e de respeito aos indivíduos impactados. "Um processo de demissão bem feito começa com a pergunta: 'E se fosse comigo?' Saber como comunicar a decisão também é fundamental. Isso dá coerência ao que a empresa está fazendo, mesmo quando ela não sabe quem substituirá um executivo demitido", pondera.
Quando o demitido é um executivo, é preciso seguir um ritual próprio. "Por uma questão de segurança, temos de saber o nível de informação que essa pessoa leva da empresa. Pensamos no dia D da demissão e na forma de comunicação. Deixamos claro que o ambiente de anúncio não está aberto a negociações. A empresa deve reconhecer que o indivíduo passa por uma sensação de perda. E o gestor deve estar presente nesse momento", recomenda Cardoso.
Guimarães vai além, afirmando que "metade do sucesso de um processo de reestruturação depende da qualidade da comunicação. Ela tem de ser excepcional, para todos os stakeholders, sejam os funcionários que saem, os que ficam, os sindicatos e a sociedade", diz.
Uma atribuição, entretanto, não pode ser delegada a uma consultoria externa: quem deve comunicar a demissão é o chefe da pessoa ou da equipe afetada, ensina Elaine Saad, sócia-diretora da Right Management. O diretor da BPI ressalta, também, que o responsável pela demissão nunca deve ser o encarregado de prestar suporte. "É pouco provável que quem demite seja o motivador de quem sai ou de quem fica. Ele não terá credibilidade", afirma Guimarães.
Outro aprendizado refere-se ao fechamento de fábricas ou grandes cortes. Nesses casos, de acordo com os especialistas, a comunicação coletiva, para todos ao mesmo tempo, é péssima. O melhor é fazer o anúncio em grupos, ainda que simultâneos, mas em locais separados. "Por mais que as pessoas estejam esperando, a demissão é uma notícia ruim. Normalmente, os funcionários se sentem desrespeitados. Gostam de desabafar. Uns choram, outros reagem com euforia como defesa. Nós sabemos contornar essas reações. Já quando agrupamos as pessoas, não controlamos as reações", explica Elaine, para quem as demissões apoiadas por um procedimento com objetivos bem definidos são um benefício a mais para os funcionários, assim como assistência médica.
Nova vida e menos fraudes
"Um processo de demissão bem feito começa com a pergunta 'E se fosse comigo?'"
Os programas de demissão também podem receber a adesão voluntária de funcionários interessados em partir para um novo ciclo de carreira. E, mesmo para os que não têm escolha e são incluídos nas listas de cortes, o desligamento ainda pode ser um "bom negócio". Guimarães esclarece que, além das indenizações legais e extras, o empregado recebe o FGTS e a multa rescisória de 40% desse montante. Assim, uma pessoa que esteve na empresa por dez anos acaba ganhando de 15 a 20 salários na saída. "E, se ela consegue se recolocar em quatro meses, contando ainda com o seguro desemprego pelo período em que estiver sem emprego, terá uma disponibilidade de aplicação financeira que pode mudar a sua vida para melhor", diz.
Além disso, continua Guimarães, a empresa que demite responsavelmente, ao viabilizar uma nova vida para seu ex-funcionário, também reduz o número de reclamações trabalhistas. "É um processo extraordinariamente útil para todos os envolvidos", acredita.
O que também pode diminuir, no caso de uma condução correta do processo, são as chances de fraudes e boicotes, para ficar apenas nos aspectos tangíveis. "O resultado desses programas é sempre positivo. Porque é uma notícia ruim que está sendo gerenciada", completa Elaine.
Ela reforça que a contratação de uma consultoria de transição é importante para que as demissões sigam um procedimento adequado. "Cerca de 80% dos clientes não têm um plano. Nosso papel é ajudá-los a programar tudo em detalhes: desde a escolha da melhor data para o anúncio até definir se os desligamentos serão simultâneos ou não; e ainda como a área de endomarketing vai lidar internamente com a notícia e como a mídia e a sociedade serão informadas. Depois, virá o suporte a cada indivíduo impactado. Se a empresa toma todos os cuidados com o planejamento, estará bem amparada."
Por mais experiente que seja a equipe de RH da empresa, o acompanhamento externo traz melhores resultados na hora da demissão. "A consultoria agrega ao processo aquilo que aprendeu em outras situações, enquanto uma solução interna ocorre mais na base do ensaio e erro. Já o processo de recolocação deve mesmo ser conduzido por um agente contratado, pois a relação entre empregador e ex-empregado fica como a do casal que se separa", compara Elaine.
Quem contratar para ajudar a demitir?
Para Elaine Saad, o que as empresas devem buscar como pré-requisitos em consultorias de transição são a experiência, a expressão no mercado nacional e global e referências de mercado. "Cada projeto nos prepara para o seguinte. E é preciso ter uma estrutura emocional muito forte para esse trabalho, maturidade e desprendimento da situação. Já tive consultores que não agüentaram a pressão. A gente prepara os líderes nas empresas, conversa individualmente, mostra como ele irá se sentir, e mesmo assim muitos não resistem. É como o papel do médico, que precisa cuidar de seu paciente, mas não pode sofrer com ele. É preciso ouvir muito, ter paciência e respeito."
A sócia da Right resume uma parte de sua atribuição: "Nossa missão é fazer as pessoas entenderem que a demissão é um processo normal, assim como o divórcio. As pessoas, às vezes, ficam chocadas porque as expectativas do outro lado não batem com as suas".
Guimarães afirma que uma consultoria deve ser capaz de apoiar seu cliente em todo o processo de reestruturação. "É preciso tomar cuidado para não cometer erros graves. Houve processos malconduzidos de demissão que resultaram em protestos sindicais e até em reintegração de ex-funcionários por ordem da Justiça", diz.
Segundo Cardoso, o contratante - muitas vezes é o próprio executivo demitido quem recomenda a consultoria à sua empresa - também deve avaliar a qualidade dos consultores e a capacidade destes de alavancarem o network do demissionário. "O consultor pode mesmo ajudar na minha recolocação? Tem experiência para contribuir com o meu processo? Conta com mecanismos e metodologias de eficácia comprovada? São essas as perguntas que um executivo deve fazer na hora de escolher o fornecedor do programa de outplacement", informa o ex-presidente da DBM.
Fonte; Revista Melhor por
André Sales
http://revistamelhor.uol.com.br/textos.asp?codigo=12300