Neguinha batalhou para transformar um lixão e venceu a guerra contra o descaso
de moradores
Solteira, mães de quatro filhos, migrante nordestina, Dilza Maria Dias, conhecida apenas como Neguinha, transformou um lixão num campo de batalha. "Alguém tinha de tomar uma atitude. Pessoas estavam sendo atropeladas na rua porque não existia calçada para andar", conta.
O "front" da guerra de Neguinha era um terreno localizado numa rua com o sugestivo nome de Estrada das Lágrimas, que circunda a favela de Heliópolis. Ali, nas cercanias de uma escola infantil, entre um posto de saúde e uma casa de apoio a crianças e adolescentes, avolumavam-se montanhas de lixo. O problema era tão antigo que o lixo parecia integrar a paisagem -os moradores já tinham perdido a esperança.
A primeira etapa da ofensiva foi uma visita aos comerciantes das redondezas do lixão. Esteve em escolas para pedir a ajuda de pais, alunos e professores -as crianças tinham de brincar no parquinho, sentindo o odor putrefato. "As pessoas me diziam sempre a mesma coisa. Diziam que eu não iria conseguir, que era perda de tempo."
Com a ajuda de uma associação local de moradores (a Unas), Neguinha confeccionou uma faixa com a seguinte mensagem: "Você que está jogando lixo sorria. Você está sendo filmado. E depois será multado". Não adiantou.
Neguinha passou a chegar ao terreno ainda de madrugada, em torno das 5h, munida apenas de um telefone celular, que dizia estar conectado com fiscais da prefeitura. Sua atitude ajudou, até porque tinha o apoio moral dos vizinhos, especialmente os da escola e os do centro de saúde, os mais incomodados com o lixo.
Era pouco.
Notou que precisava se dedicar por mais tempo à fiscalização. Chegava de madrugada e só saía quando escurecia. Levou essa rotina durante um mês. Algumas das pessoas habituadas a jogar lixo ali imaginavam que talvez aquela mulher fosse uma funcionária da prefeitura; outras suspeitavam que não passasse de uma maluca, sabe-se lá com quais ligações na favela de Heliópolis, para ter coragem de enfrentar os homens.
Independentemente do que tenham pensado, o fato é que, aos poucos, menos gente jogou lixo no terreno -além do medo das multas, sabiam que iriam encontrar, por perto, lixões improvisados. Acontece que outros moradores da região, vendo a batalha de Neguinha, também começaram a se proteger dos donos de entulho. "Não fiz nada de mais, só não queria viver na sujeira."
Por causa dessa conquista, ela vai receber sua primeira homenagem desde que veio para São Paulo, há 25 anos -uma escola (a Cidade do Sol) vai condecorá-la por sua guerra contra o lixo.
Gilberto Dimenstein - Jornalismo comunitario
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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