segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Gibis cristãos. Por que não?

Claude Bornél

O que muita gente não sabe (inclusive quem curte HQ) é que também existem gibis criados com objetivos que extrapolam o mero entrenenimento
Existem quadrinhos dos mais variados gêneros e estilos. Heróis, ficção científica, terror, aventura... Mas o que muita gente não sabe (inclusive quem curte HQ) é que também existem gibis criados com objetivos que extrapolam o mero entrenenimento. Por exemplo, ajudar a difundir a palavra de Deus. Sim, quadrinhos cristãos. E por que não?

Muitos desses títulos apresentam qualidade de desenho e de conteúdo que nada deixam a dever às boas histórias dos Marvels e DCs. Se diferenciam, portanto, não pela forma e sim pelo conteúdo. Em vez de batalhas para lá de espetaculosas entre mocinhos e bandidos, tramas que procuram evidenciar a diferença que Jesus faz na vida das pessoas.

Comparados às HQs de apelo mais comercial, o gênero cristão fica para trás apenas no quesito distribuição. Daí porque não chegam a ser tão conhecidos. Mesmo nos Estados Unidos, país de base religiosa cristã e um do berço dos quadrinhos. Em livrarias conceituadas como Barnes & Noble, ou mesmo em lojas especializadas, chega a ser raro encontrar.

O melhor lugar para achar tais títulos são as lojas de artigos cristãos. Ali é fácil encontrar graphic novels, mangás ou simples HQs com referências bíblicas ou personagens seguem os passos de Cristo. Estão ao lado de CD's, camisetas, livros, DVD's e, claro, de Bíblias. Mas o curioso é que, mesmo nessas lojas, nem sempre os gibis cristãos tinham tanto espaço nas prateleiras.

"Desde o ano passado estamos vendo o crescimento das graphic novels aqui na Wits End. Porque tem figuras é mais fácil de ler e é mais divertido, especialmente para homens", afirma Dave Lawler (ou apenas Coach Dave), gerente da livraria cristã Wits End, da Igreja Grace Fellowship, em West Palm Beach, Flórida.

Em outras lojas cristãs o depoimento é basicamente o mesmo, sinalizando que o avanço dos gibis cristãos nos EUA é um fenômero recente. Contudo, não significa que o gênero já não estivesse disponível no mercado há bem mais tempo.

Que o diga o escritor norte-americano Buzz Dixon, fundador da produtora de quadrinhos cristãos Realbuzz Studios (http://www.realbuzzstudios.com/). Com uma notável carreira no ramo do entretenimento - tem no currículo episódios escritos para inúmeros desenhos animados como "Batman", "Transformers", "Caverna do Dragão" e "Comandos em Ação" -, o autor criou sua primeira graphic novel cristã, "Serenity", em 2000, como um projeto para a Stan Lee Media.

À época, Buzz era o vice-presidente de Criação da empresa do grande responsável pelo surgimento do universo Marvel. Quando alguém sugeriu produzir um gibi cristão, o próprio Stan Lee pediu a Buzz que desenvolvesse alguns conceitos.

"Minhas primeiras pesquisas indicavam que o mercado literário cristão estava desconfiado quanto às histórias de super-heróis. Naquele tempo os gibis eram exclusivamente dirigidos a adolescentes do sexo masculino, mas a série "Sailor Moon" estava começando a atrair as adolescentes, tanto para o anime quanto o mangá. Uma vez que não havia gibis para meninas, exceto pela série "Archie", desenvolvi "Serenity" como uma novela adolescente em quadrinhos no estilo mangá", explica.

Segundo Buzz, o projeto deixou de ser aprovado por Stan Lee por não ser uma história de super-herói. "Uma vez que Stan fez sua fama e fortuna com super-heróis, quem pode culpá-lo?", comenta.

Então, com a permissão da lenda dos gibis, Buzz pegou "Serenity" para si e começou a correr atrás de uma editora para publicar o trabalho. O que só acabou se concretizando em 2005, através da editora cristã Barbour Publishing.

O gibi conta a saga de Serenity Harper, uma estudante do segundo grau cuja personalidade é tudo menos algo que se possa chamar de serenidade, ao contrário do que seu nome inicialmente sugere. Recém chegada a James A. Madison High School, ela fala muito palavrão, não ter qualquer noção de respeito e é agressiva com todos que se aproximam. Especialmente com o jovens do Grupo de Oração que tentam enturmá-la na escola.

Aos poucos vai ficando claro que os problemas de Serenity são o reflexo da vida desestruturada que tem em casa, cuja mãe não dá qualquer chance de confiança na filha. A Bad Girl comete os piores atos e chega ao fundo do poço, quando então surge a chance de mostrar a ela o poder do perdão que vem de Jesus.

Depois do primeiro "Serenity" vieram outros títulos como os volumes seguintes da série e o ótimo "Goofyfoot Gurl", um gibi cheio de gírias de surf e que conta com desenhos fabulosos e uma narrativa que pouco se vê por aí. Mesmo em gibis mais comerciais. Bem, mas nada que tenha evitado Buzz de tomar a recente decisão de fechar sua empresa.

"Eu gosto de pensar que a Realbuzz Studios é parcialmente responsável pelo corrente crescimento dos quadrinhos cristãos, muito embora eles já existissem há muitos anos", acrescenta Buzz, que pretende continuar no ramo de gibis cristãos.

Uma heroína que ora

A editora Zondervan também traz sua parcela de contribuição para o segmento, com um catálogo bem variado que inclui heróis bíblicos, moscas viajantes do tempo, super-heróis modernos e até mesmo histórias extraídas da Bíblia. Todos os títulos no formato mangá, disponibilizados através da Divisão de Produtos Infantis da empresa, sob a chancela Z-Graphic Novels (http://www.zondervan.com/Cultures/en-US/Search/Search.htm?SC=%22Z+Graphic+Novels%22&LN=eng&PT=%22Kidz%22&AX=12&AN=0&QueryStringSite=Zondervan).

"O mangá japonês explodiu em popularidade nos Estados Unidos, fazendo o mercado triplicar nos últimos três anos (leia mais em http://www.opovo.com.br/colunas/sequencial/749288.html). Em 2005, as vendas superaram US$ 250 milhões e em 2006 continuou crescendo", afirma Alicia Mey, vice-presidente de Marketing da Zonderkidz, acrescentando que a popularidade do mangá mostra que quadrinhos não são apenas para meninos ou jovens do sexo masculino, uma vez os mangás contam com 60% de leitoras.

"Infelizmente, o corrente sucesso expõe os leitores a um forte imaginário sexual, violência gratuita e uma visão de mundo pagã. Como uma alternativa saudável, a Zonderkidz conta com seis novas séries de mangás nas quais procuramos mostrar a verdade da Bíblia através de histórias excitantes e arte impactante", completa.

Um dos mais recentes títulos da editora é "Tomo", cuja principal característica é mostrar a diferença que Jesus faz na vida das pessoas. O mangá conta a história de Hana, uma pré-adolescente japonesa que perdeu a mãe e veio morar com o avô, Jou Otousan, nos EUA, onde descobre ser a escolhida para empunhar a Espada do Espírito e defender o reino de Argon Falls, que fica em uma dimensão paralela.

Embora o teor místico da trama sugira algo que contradiga a doutrina cristã, basta ver a relação entre avô e neta para desfazer qualquer confusão. Uma das primeiras coisas que Jou Otousan faz é levar Hana à Igreja e apresentá-la ao pastor James. O avô também a ensina a orar e a pedir a ajuda de Jesus quando tem problemas. Para um leitor com o olhar acostumado as batalhas entre heróis e vilões, trata-se de uma visão, no mínimo, inusitada.

O texto é cheio de ensinamentos sobre como amar aqueles que nos fazem mal e esperar com paciência no Senhor. Em dado momento da série, Hana é suspensa da escola, acusada de colar numa prova. Mas em vez de cair em desespero para mostrar que é inocente, Hana confia no plano que Deus tem para ela. E é tudo que ela precisa para conquistar vitórias aparentemente impossíveis - porque, para Deus, nada é impossível.

O efeito Ted Dekker

O público alvo das HQs cristãs é muitas vezes definido como tween-to-teen - algo como dos 10 aos 12 anos, equivalente ao termo brasileiro "pré-adolescente". Mas quem pensa que tais títulos ficam restritos a essa faixa etaria se engana completamente. Uma grande prova disso são as adaptações para quadrinhos da obra do escritor norte-americano Ted Dekker.

Filho de missionários, o autor foi criado perto das florestas da Indonésia e estudou Religião e Filosofia nos EUA. Chegou a trabalhar como diretor de marketing de uma empresa, mas desde 1997 se dedica exclusivamente à literatura. Já vendeu mais de dois milhões de livros e alguns deles já estiveram na lista de mais vendidos do New York Times.

É o caso de "Three", classificado como um suspense psicológico cristão e que foi adaptado para o cinema. No Brasil, ganhou o nome de "3 Desculpas para Matar".

Outra obra do autor, "House", também virou filme, o recente "Jogos de Um Psicopata". Outros livros do autor ganharam versões para os quadrinhos, contribuindo para elevar sensivelmente a faixa etária dos leitores de gibis cristãos.

"Estudantes de primeiro e segundo grau compram títulos como "Tomo", mas graphic novels como "Black" são lidos mesmo por adultos", comenta com entusiasmo Coach Dave, da livraria Wits End.

"Black" é o primeiro dos três livros da série "The Circle Trilogy", continuada por "Red" e "White". Conta a história de Thomas Hunter, um homem preso em dois mundos sem saber qual deles é o sonho e qual é a realidade. Por trás da resposta, uma saga épica em que a fé em Deus é o que faz a diferença.

Uma curiosidade da trilogia é a empresa responsável pela arte e pelas cores: a brasileira Big Jack Studios, localizada em Belo Horizonte (http://www.bigjack.com.br/). A Big Jack Studios tem clientes no Brasil, Estados Unidos, Canadá e Portugal, entre os quais Marvel, Dark Horse e Dynamite Entertainment, apenas para citar alguns dos clientes ligados à área de quadrinhos. Para "The Circle Trilogy", o trabalho foi feito para a editora Circle Media. Um ótimo preview da série pode ser visto no site http://www.thecircletrilogy.com, com direito a vários recursos de animação bem interessantes de se explorar.

Mais perto de Jesus

Uma vez que a oferta de quadrinhos cristãos está em crescimento, servindo de alternativa aos gibis tradicionais com teor mais violento, a pergunta que fica no ar é: como tais publicações ajudam as pessoas a se aproximarem mais de Jesus?

"Eu devo esperar que sim!", afirma Buzz Dixon, explicando que costuma dizer às pessoas que "Serenity", e os demais títulos da Realbuzz, são ferramentas para reafirmar valores e não ferramentas evangélicas.

"Enquanto eu, obviamente, ficaria encantado se um dos meus mangás ajudassem alguém a se converter a Cristo, meu real propósito é mostrar, em forma de entretenimento, como viver uma vida cristã diante das tentações de se buscar soluções fáceis. Isso significa colocar os personagens em situações da vida real e vê-los descobrir seus próprios caminhos aplicando os princípios cristãos. Eu me esforço para ser entretenimento, não um moralista", acrescenta.

Para Coach Dave, os quadrinhos cristãos funcionam como mais um meio para passar a mensagem de Jesus, ao mesmo tempo que funciona como a única forma. "Existem algumas pessoas que vêem somente esse tipo de material sobre Cristo. Cada vez menos pessoas lêem nos dias de hoje", comenta, pesaroso.

Alicia Mey observa que cada um dos mangás da Z-Graphic Novels apresenta histórias com uma perspectiva cristã baseada em valores bíblicos. Desta forma, todo e qualquer leitor (cristão ou não-cristão) que tiver acesso a um desses mangás, terá a chance de ver a diferença que Deus pode fazer.

"Todos os títulos da Z-Graphic Novels são revisados por pessoas formalmente treinadas em Teologia, para assegurar que o conteúdo de cada livro contenha elementos cristãos do mais alto padrão", conclui.

fonte: www.opovo.com.br

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