quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O fim do capitalismo

Bem que meus amigos me avisaram. E tem tempo. Há mais de 50 anos, nos bares da avenida Atlântica - principalmente no Alcazar -, eles ficavam discutindo, e tentando me explicar as contradições do capitalismo e porque seu inevitável fim era uma questão de uns poucos anos. E tome Marx, Engels e Lênin.

Tomávamos. Eu, na verdade, tomava mais chopinho, embora fizesse uma cara inteligente e concordasse com tudo que diziam. Onde estão agora, para me gozar, o Marat, o Francis, o Sérgio “Elemento”? Passaram destas contradições em que vivemos para aquelas que eles garantiam não existir.

Abro os jornais, ouço o rádio, veja a televisão e lá está, como se na mesa do Alcazar, o aviso fatídico tornado realidade: o capitalismo acabou. Alguns bancos faliram, alguns milhares de pessoas ficaram desempregadas, outras tantas entraram pelo cano com suas economias e todo o resto das más notícias que rolam por aí, mundo afora, como rolavam os cartõezinhos de chope que se acumulavam em nossa mesa.

Bancos fechando, bares faturando.

Todo banqueiro tem uma história triste para contar. Todo investidor também. Corretores de ações que não acabam mais. Os economistas fazem uma cara esperta de quem não só viu mas ainda por cima deglutiu um passarinho verde. “Viu? Eu não disse? Agora me permitam explicar o que está acontecendo…” E toca a mesma canção se acompanhando na mesma viola.

Os chineses, se tivessem senso de humor, achariam uma graça imensa nessa história toda. Os chineses, no entanto, não têm tempo para achar graça em nada. Estão ocupados fazendo ou produzindo coisas. Dinheiro? Uma consequência não de todo desprezível. Ou agradável? Só os chineses sabem. No equivalente a seus vastos Alcazares.

A esquerda pede a palavra


Interessante saber o que a esquerda pensa. Neste momento. Semana que vem é mais complicado. Garanto que é papo que eu já ouvi, em contraditórias versões, no meu velho Alcazar, com meus velhos bons amigos.


Olhem só, ouçam só um velho conhecido nosso. O Daniel Cohn-Bendit, vulgo Danny le Rouge quando líder estudantil na agitada Paris de 1968:


“Esta crise financeira é para o neo-liberalismo o que Chernobyl foi para o lobby nuclear. Uma catástrofe. (…) Não é o fim do capitalismo porque o capitalismo sempre foi inteligente bastante para se reformar. O capitalismo só chegará a seu fim quando não conseguir mais se reformar.”


Puro Alcazar.


Diante de nossos microfones agora, o cantor pop Jarvis Cocker:


“É muito bem ver o capitalismo entrar pelo cano. O capitalismo foi muito longe demais e…”


Ah, chega, tá bom? O distinto está expulso da mesa e do bar.


Conosco agora Salma Yaqoob, vereadora da cidade de Birmingham: “Quando o mercado era tratado como um deus, sempre nos prometeram que sobraria alguma prosperidade para nós. Sobrou apenas a cobiça.”


A senhora, ou senhorita, está convidada para se sentar e pedir o licor que quiser.


Fala, em “fanhês”, o ex-prefeito de Londres, Ken Livingstone: “É triste, mas eu não acho que se trate do fim do capitalismo. Há que haver um retorno a um estado muito mais intervencionista. (…) Thatcher e Reagan desregulamentaram tudo em massa, deixando que os mercados financeiros fizessem o que bem entendessem. Um centro financeiro, como o Reino Unido, tem que depender de uma economia sólida e genuinamente produtiva.”


Taí. Gostei. Mais um chôpe, Manél! Manél era o garçom da Alcazar. Manél não tinha contradições.


O artista plástico Patrick Brill, que atende pelo nome artístico de Bob e Roberta Smith – é, assim mesmo, feito um casal de patinadores --, dá seus 7 centavos de dólar de opinião: “No mesmo dia em que o banco Lehman Brothers pediu o boné, o (“artista plástico”, com aspas minhas) Damien Hirst faturou US$ 70 milhões num leilão pessoal. Ninguém deve gozar se o capitalismo tiver chegado a seu fim. Lembremos que, por trás de cada banqueiro, há gente comum em muito mais apuros.”


Preciso me familiarizar mais com a obra dos três. Patrick, Bob e Roberta.


Deixando a câmera por uns minutos, o diretor Ken Loach ilumina e enquadra:

“Aí está mais uma prova, se necessário fosse, de que mercado não é, e nunca poderá ser, a resposta.”


Os filmes de Loach direitinho, essa frase que ele rodou.


Encerremos com um filósofo, que é para dar sustança a estas falidas linhas. Dando tratos à bola, comigo e com vocês, Michael Onfray, que nunca ninguém ouviu falar, certo?


“O fim do capitalismo? De jeito nenhum. A principal característica do capitalismo é sua maleabilidade. Ele já passou pela antiguidade, o feudalismo e a era industrial, já tendo usado a máscara do fascismo e, hoje em dia, coabita com a causa ecológica. Após estes recentes eventos, o capitalismo, como a Hidra de Lerna, adotará uma nova forma. Cortem uma de suas cabeças e outra nascerá em seu lugar. Chegamos ao fim da obsessão da sociedade com crédito e dinheiro? Em hipótese alguma.”


Salta um duplo para o Michael, ô Manél!


Enquanto isso, sabemos, muita gente, em diversos pontos do globo fatura alto. Todos, com certeza, chineses.
Ivan Lessa
Colunista da BBC Brasil

"O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol." (Eclesiastes 1 : 9)

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