segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O verdadeiro semi-árido




Em artigo recente no O Estado de S. Paulo, Washington Novaes apresenta um resumo resumido do livro A Potencialidade do Semi-árido Brasileiro, do geólogo e hidrólogo piauiense Manoel Bonfim Ribeiro -- que trabalhou em projetos de irrigação, construiu açudes e adutoras e foi diretor da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco. Mais do que credenciado, portanto, para falar sobre a questão da água no Nordeste, em geral, e da discutida transposição das águas do Rio São Francisco. Como muitos cientistas, Ribeiro assegura que no semi-árido o problema não é de escassez mas de gestão. E cita uma enfiada de números de nos deixar de queixo caído, pelo menos a mim, de escasso conhecimento sobre essas questões.

O Nordeste tem 70 mil açudes, um a cada 14 quilômetros quadrados. É a região mais açudada do mundo. Nos 27 maiores desses açudes estão acumulados 21 bilhões de metros cúbicos de água, onze vezes a que faz os encantos da Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro. Aqui ele se permite uma boutade e comenta: "O semi-árido é uma ilha cercada de água doce por todos os lados". Mas há mais: só nos oito grandes açudes do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, para onde serão levados 2 bilhões de metros cúbicos da água transposta do São Francisco, já se acumulam 12 bilhões de metros cúbicos de água pluvial. Dessa água estocada nos açudes, 30% se evaporam (o que vai acontecer, também, com certeza, com as águas da transposição). Mas há na região, ainda, a possibilidade de extrair 20 bilhões de metros cúbicos do subsolo (atualmente, extrai-se apenas 1 bilhão de metros cúbicos).

A pobreza do sem-árido, portanto, está no homem, não na terra, nem no clima -- e a conclusão não é minha, mas do autor. Nos homens, acrescento, pois é uma questão de falta de informação e conseqüente falta de conhecimento. Mas também de falta de vontade. Manoel Bonfim cita, a partir daí, uma enxurrada de riquezas que poderiam ser exploradas desde que solucionada adequadamente essa questão da água e do seu uso. Piscicultura ("pode-se multiplicar por dez a produção de peixes brasileira"), apicultura (cada colmeia, na região, produz de 80 a 100 quilos de mel por ano, enquanto na Europa conseguem-se modestos 20 a 30 quilos). Seguem-se a caprinocultura, caju e suas castanhas, de larga aceitação no exterior, umbu, cera da carnaúba, fibras vegetais como o caroá, sisal, algodão.

No prefácio, o "pai do Proálcool, professor J. W. Bautista Vidal, admira-se: "É como se Bonfim estivesse redescobrindo um novo Semi-Árido, mais verdadeiro que o anterior, fundamentado em peculiaridades pouco conhecidas, algumas únicas em todo o planeta". Nada indica, portanto, que a transposição das águas do São Francisco, sozinha, vá solucionar algum problema pois com ela ou sem ela, a verdadeira questão continuará em pé: a gestão. Ou melhor, a capacidade de buscar para todos os males as soluções mais simples, mais baratas, conseqüentemente mais adequadas e mais eficazes. Entra governo, sai governo, e fica a pergunta: poderá o Nordeste algum dia contar com essa simplicidade?


Almyr Gajardoni é jornalista
artigo publicado no Noblat.com.br

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