quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Cidade dos mortos



Vivem dentro dos túmulos como se fossem casas. Cavaram a terra um pouco mais fundo para ganharem espaço, ergueram paredes para construir quartos e abriram janelas para terem luz e ar. O cemitério do Cairo continua a ser o sítio onde se enterram os mortos mas é lá que vivem também mais de 800 mil pessoas. Os mais pobres dos pobres. Famílias inteiras que não têm outro lugar onde morar.
Quando é preciso enterrar um morto nos túmulos habitados, as famílias entendem-se entre si e as que lá vivem saem cerimoniosamente para dar lugar às formalidades do funeral. Ficam de parte e esperam que todo o ritual se cumpra.
Depois de chorado, rezado e enterrado, o morto fica no túmulo da família original mas
passa a pertencer também à nova família, que mais tarde há-de voltar a casa num silêncio sepulcral e deferente.
Ao fim de pouco tempo de convívio com o morto ele deixa de ser um estranho e a família retoma a sua vida e as suas rotinas sem mais embaraços. Não se preocupam em purificar o ar e, muito menos, em sacudir o pó da terra remexida. Estão habituados à proximidade entre vivos e mortos e partilham aquela espécie de mudez tumular. Falam pouco, os que habitam os túmulos. Em especial dentro de casa, nos dias de enterro. No resto são como os outros: riem e choram, gritam e pasmam, zangam-se e abraçam-se, apaixonam-se, casam-se e separam-se. Enfim vivem e morrem.
Têm medos, claro, mas também aprenderam a vencê-los e o pior pavor é não ter o que comer nem nada para dar aos filhos. O governo foi obrigado a olhar para esta realidade e passou a dar-lhes pão, água e luz. Primeiro mandou electrificar o cemitério para que os túmulos não ficassem às escuras. Depois, vendo que a população aumentava da noite para o dia, levou-lhes água até uma fonte e começou a pagar quase todo o pão. Com o passar dos anos construiu uma escola e mais um hospital e agora o cemitério é uma verdadeira cidade. A lendária Cidade dos Mortos, com alamedas de terra escura onde crescem tamareiras altas e brincam crianças descalças, onde se cruzam homens e mulheres muito cansados e onde os rapazes e as raparigas apaixonados andam de mãos dadas.
filado do http://laurindaalves.blogs.sapo.pt/37164.html

O Pedro do Borel vai morar lá, Vamos Orar e que Deus abençoe

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